Luciana Santana e Camila Dallagnese Prates
Maceió é uma cidade imersa em suas próprias contradições. Uma cidade belíssima, com paisagem natural exuberante, mas que convive com grande concentração de renda e desigualdade social. É um dos principais destinos de turismo “sol e mar”, e também a cidade que sofre com o maior desastre ambiental urbano, em andamento, do mundo. Sim, pasmem, é isso mesmo. E poucas pessoas fora do estado de Alagoas sabem dessa situação.
E que desastre é esse? Trata-se do afundamento gradual da superfície de parte da cidade, mais precisamente de cinco bairros, Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol. O evento começou a ocorrer em 2018, mais precisamente no dia 03 de março, quando se identificou um leve tremor às 17:30:32, com magnitude de 2.4 na escala Richter. As consequências mais evidentes foram sentidas nos meses seguintes, no período de chuvas na região, com o registro de rachaduras e fissuras que afetaram ruas, residências, edifícios, estabelecimentos comerciais e instalações industriais.
Estudos geológicos realizados pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) em 2019 atribuíram os danos ao procedimento de exploração mineral do sal-gema no subsolo, sob responsabilidade da empresa Braskem S.A., empresa petroquímica controlada pela Novonor S. A.
Ao longo dos anos, os impactos socioambientais se aprofundaram e mais de 60 mil pessoas tiveram que ser deslocadas de suas casas, além de mudanças em toda dinâmica social da cidade, tais como o aumento do trânsito, acesso a serviços e da especulação imobiliária. Ações nas áreas atingidas vêm sendo adotadas pela empresa e acordos para pagamentos foram assinados por moradores, mas sempre acompanhados de críticas e questionamentos quanto à transparência, justiça e responsabilidade tanto da empresa quanto do poder público.
A política local e o caso da Braskem
Em nota publicada em julho deste ano, a prefeitura de Maceió informou que havia fechado acordo com a empresa Braskem: “O acordo assegura ao município indenização de R$ 1,7 bilhão em razão do afundamento dos bairros, que teve início em 2018. Os recursos serão destinados à realização de obras estruturantes na cidade e à criação do Fundo de Amparo aos Moradores (FAM). É preciso destacar que o acordo não invalida as ações ou negociações entre a Braskem e os moradores das regiões afetadas. A gestão de Maceió segue construindo uma cidade melhor para todos”.
Novos capítulos começaram a ser escritos. Se antes havia maior distanciamento do poder público em relação ao desastre, o acordo bilionário despertou os ânimos de grupos políticos locais. De um lado, o comodismo e a defesa do acordo com a empresa, de outro, o pedido de investigação da Braskem, também como um possível trunfo político futuro.
E a população? Em pesquisa realizada pelo Instituto Ibrape nos dias 17 e 18 de setembro em Maceió 49% dos entrevistados disseram estar insatisfeitos com o encaminhamento dado pelo prefeito sobre o caso da Braskem. 44% afirmam estar satisfeitos, enquanto 7% informaram que não sabem ou não responderam. Em relação a uma investigação, por meio de uma CPI, 78% responderam que concordam com a comissão, 16% são contra e 5 % não sabem ou não responderam.
O pedido de CPI e os embates políticos
Em 14 de setembro, o senador alagoano, Renan Calheiros (MDB) apresentou em Plenário, um requerimento para a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Braskem com objetivo de investigar a responsabilidade jurídica socioambiental da mineradora. O objetivo é apurar possíveis omissões da empresa na reparação dos afetados, nas medidas de preservação do patrimônio ambiental e histórico de Maceió, na prevenção, infraestrutura metropolitana, além de contrapartida pela perda tributária estadual, dentre outros.
O requerimento teve apoio expressivo dos senadores com 45 assinaturas. Para a criação de uma CPI são necessárias 27 assinaturas. Para que a CPI seja instaurada é necessário que a Presidência do Senado confira as assinaturas dos signatários, faça a leitura e abra o prazo para que os líderes partidários indiquem os 11 membros titulares e 11 membros suplentes que vão compor a comissão.
Por ser uma acionista da Petrobras, os senadores governistas veem com desconfiança e possíveis desdobramentos das investigações. Sabe-se da importância econômica da empresa, que tem forte atuação no país, e em Alagoas. Entretanto, não podemos menosprezar e invalidar o impacto desse evento na vida de milhares de pessoas e de todo município.
Estratégia política X Responsabilização
Independente de estratégias políticas ou da utilização do caso em embates entre grupos políticos locais, a responsabilização pelos danos causados precisa ser efetiva. Ademais, uma rotina de prevenção a crimes socioambientais precisa ser permanente. Isso vale para o desastre provocado pela mineração da Braskem em Maceió, quanto para casos como o da Brumadinho e Marina, causados por irresponsabilidades da Vale.
Neste sentido, uma CPI tem potencial de dar visibilidade ao tema, ampliar o diálogo com a sociedade e a opinião pública, escutar a população afetada e cobrar responsabilidades de todos os envolvidos, entes privados e públicos. Afinal, uma das principais funções do Legislativo é essa, a de fiscalizar e cobrar responsabilidades, seja do poder público ou daqueles que causam danos ao Estado brasileiro.
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