Ana Paula Massonetto
No Brasil, discutimos reforma política demasiadamente com foco nas barreiras de entrada e nos resultados eleitorais. Falta jogar luz e buscar avanços no aprimoramento da GOVERNANÇA dos PARTIDOS POLÍTICOS. No último dia 17 de setembro, num esforço desejável de inibir atos ilegais das lideranças partidárias, o TSE resolveu punir todos os candidatos eleitos por uma chapa ‘contaminada’ por candidaturas laranjas de mulheres.
É verdade que o partido infrator ficará desprovido das referidas cadeiras legislativas mas, para extinguir um câncer, é coerente matar o paciente? Há nesta decisão um descompasso entre problema (candidaturas laranjas), causa (atos ilícitos pela governança partidária) e solução (punição dos candidatos).
Ano passado fui candidata numa chapa coletiva inovadora com 3 mulheres ao Senado por SP, e tive oportunidade de acompanhar o processo de cerca de 100 candidaturas proporcionais do partido, além de outras dezenas de candidatos de diferentes partidos no âmbito do movimento de formação de lideranças da Rede de Ação Política para a Sustentabilidade RAPS. Uma verdadeira saga.
Há um custo pessoal imensurável e desafios complexos para se tornar candidato, muitos deles oriundos da deficiente governança dos partidos (seja por reserva de espaços de poder ou incompetência mesmo), especialmente quando não se tem uma trajetória prévia na política: exposição da sua vida pessoal, trade off de carreira, preconceitos sociais e profissionais, investimento financeiro, tempo, energia, saúde, emocional.
Vi candidatos serem demitidos de seus trabalhos ao anunciarem suas candidaturas, outros ficarem de quarentena ao final das eleições, presenciei separações conjugais, rompimentos de relacionamentos, brigas e decepções com amigos e familiares, endividamentos, depressões, estresses, internações hospitalares. E uma grande parte desistiu da candidatura ao longo do pleito eleitoral, por uma conjunção de obstáculos, a titular da nossa candidatura coletiva ao Senado e eu, inclusive.
Enquanto isso, no âmbito da governança dos partidos prevalece a desorganização, a ausência de critérios objetivos para tomada de decisão, a incerteza e falta de transparência em relação à distribuição das legendas e de recursos financeiros, o precário apoio formativo ou operacional para as candidaturas, a disputa por espaços de poder, a lógica dos micro poderes e dos privilégios para os grupos vinculados às lideranças partidárias.
Ao fim e ao cabo, parte considerável dos obstáculos às candidaturas originam-se na má governança dos partidos, seja pela reserva de poder ou por incompetência, ou deveriam ser minimizados pela atuação adequada destes partidos, mas não são.
Mesmo neste cenário árido, acontece de candidatos novatos, sem qualquer tipo de apoio ou ingerência sobre o partido, furarem a bolha e vencerem as eleições. Ocorre que, depois dessa desafiadora seleção natural, este candidato ou candidata pode ficar impedido/a de assumir o cargo em função desta decisão do TSE, sendo punido/a por atos dos quais não teve qualquer participação ou ingerência.
E os líderes partidários, autores dos ilícitos, promotores das candidaturas laranjas de mulheres? Continuam em seus cargos, aguardando a próxima eleição para, provavelmente, perpetuar as mesmas práticas. Enquanto isso, na contramão dos cortes orçamentários, o projeto de lei orçamentária (PLOA) apresentado pelo governo, aumenta em 48% e prevê a destinação de R$ 2,5 bilhões para o Fundo Partidário em 2020.
Os 7 maiores partidos irão gerir + de R$ 100 milhões cada um no próximo ano, sob quais regras e controles? Sem transparência e sem responsabilização, a depender da Câmara dos Deputados, que aprovou o PL 5029/2019, alterando as regras eleitorais e partidárias para diminuir a transparência, dificultar a fiscalização, abrir brechas na prestação de contas e reduzir a penalização dos Partidos em caso de irregularidades.
Prefeitos e Secretários municipais respondem civil e criminalmente pela gestão de recursos orçamentários, por vezes, inferiores a tais quantias. Sendo o Fundo Partidário uma forma de financiamento público oriundo de dotações orçamentárias da União, não deveria seguir as normas da Lei de Responsabilidade Fiscal e sujeitar Partidos Políticos e seus Líderes, gestores do Fundo, às sanções institucionais de suspensão do recebimento de recursos e às sanções pessoais da Lei de Crimes de Responsabilidade Fiscal ou normas análogas?
É válida a posição do TSE, punindo os Partidos em alguma medida. Mas as soluções adotadas têm um gosto amargo e limitado, parecem quimioterapia paliativa para aplacar os sintomas de um sistema moribundo e em fase terminal, gerando efeitos colaterais sem passar perto das causas das enfermidades.
Em trâmite pela Câmara dos Deputados, o PL 4896/2019, iniciativa colaborativa de algumas dezenas de parlamentares de partidos de espectros ideológicos diversificados, a exemplo de Tababa Amaral (PDT) e Alexandre Frota (antigo PSL, atual PSDB), Felipe Rigoni (PSB) e Coronel Armando (PSL), resultado do aprimoramento de um conjunto de outros PLs e de propostas oriundas ou corroboradas pela sociedade civil organizada, como os movimentos Transparência Partidária e Acredito, dentre outros, traz soluções mais contundentes, regulamentando em profundidade a governança dos partidos e sua responsabilização, efetivamente. Pode ser um caminho, uma luz no horizonte.
Se quisermos deixar de lado os puxadinhos, para construir um sistema político verdadeiramente decente e Republicano, precisamos firmar um pacto de transparência e verdade com o Parlamento e a sociedade, furar a bolha e adentrar O CORAÇÃO DO SISTEMA POLÍTICO: A GOVERNANÇA DOS PARTIDOS.
Palavras-chave: Movimento Voto Consciente; Poder Legislativo; Mulheres na política; Eleições 2018; Candidaturas laranjas; Fundo Partidário; Câmara dos Deputados; TSE; Partidos Políticos; Parlamento.
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