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O passado é uma roupa que não serve mais


GRAZIELLA TESTA


Haddad tem feito um bom trabalho em busca do equilíbrio das contas públicas que ajuda na melhora dos indicativos econômicos. O que se viu nos últimos dois meses foi a melhora da sua avaliação mesmo entre setores tradicionalmente contrários ao Partido dos Trabalhadores. Se por um lado é possível creditar esse sucesso à articulação política do governo, também é preciso que fique claro que a agenda não é, a princípio, tema que gera conflito entre os parlamentares. Por paradoxal que pareça, o Congresso como corpo tende a ser favorável a medidas de austeridade, mas, por outro lado, não renuncia a recursos volumosos para gastos locais sem orientação de políticas macro e para os famigerados fundos partidário e eleitoral.


Nesse cabo de guerra, quem mais sofre são os programas nacionais de políticas públicas que atendem diretamente a população e isso se reflete nos indicadores, nos quais o Brasil se localiza bem abaixo da média mundial e mesmo da média latino-americana. A organização Variety of Democracy, que classifica países do mundo de acordo com indicadores, situou o Brasil, em 2022, próximo ao continente africano no quesito “serviços públicos distribuídos pelo critério socioeconômico”. Esse descompasso também favorece ações clientelistas e patrimonialistas. Isto é, uma população profundamente carente tende a buscar na relação interpessoal com seus representantes vantagens para seus problemas imediatos.






Em substituição a esse clientelismo, a busca deveria ser por investimentos do Estado em políticas públicas bem fundamentadas em evidências. A cidadania é a melhor aliada na busca pela redução do clientelismo nas relações de representação política. Isto é, quando cidadão entende, por exemplo, a educação como direito, irá buscar efetivar esse direito junto ao Estado enquanto entidade e não o auxílio do gabinete de seu deputado para colocar seu filho na melhor escola da rede de ensino. O processo de expansão da cidadania parece ter saído de moda e aqui é preciso lembrar do grande Professor José Murilo de Carvalho, historiador e cientista político que dedicou sua vida a estuda o fenômeno e que nos deixou há pouco.


Se o Congresso quer participar cada vez mais do processo de construção de políticas públicas, precisa se responsabilizar pelos resultados de seus atos. Sobretudo a Câmara dos Deputados. Haddad exagera quando diz que Câmara “humilha o Senado e o Executivo” porque há suficientes ferramentas institucionais para que seja um exagero falar nessa humilhação. Ao invés de falar do “poder muito grande” da Câmara, há que se olhar para a centralização dos processos internos na Casa e da redução da importância dos partidos políticos. As mudanças nos procedimentos concentraram recursos que antes estavam à disposição dos líderes nas mãos do Presidente da Mesa.


Do ponto de vista da democracia, essa centralização não é positiva. Isso porque o eleitor escolhe primeiro o partido e depois o parlamentar, seria razoável supor que fosse essa instituição a unidade de análise para resolver os dilemas de ação coletiva do alto número de parlamentares. No entanto, isso mudou. Entre os governos Lula 1 e 2 e a atual Legislatura, há um impeachment, um governo “provisório”, um Bolsonaro e uma pandemia. Ao invés de insistir no desgaste do Presidencialismo de Coalizão, Lula e Haddad deveriam adotar a metodologia maquiaveliana no melhor sentido: lidar com a verdade efetiva das coisas como elas são, não como deveriam ser. Ou melhor, deveriam ouvir o saudoso Belchior: “E o que há algum tempo era jovem e novo, hoje é antigo/ E precisamos todos rejuvenescer”.


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