Lucas Ambrózio
Ao instituir a saúde como um direito social universal, o Brasil optou por um modelo mais eficiente e equitativo de oferta de serviços de saúde. Estudo recente da Bloomberg, analisando dados de mais de 50 países, constatou que aqueles com sistemas majoritariamente públicos de oferta de saúde tendem a ser mais eficientes do que sistemas de predominância da prestação privada. O indicador de eficiência é basicamente simples, considerou-se o total de gastos com saúde (públicos e privados) em dezenas de países frente à expectativa de vida alcançada em cada um deles. Neste sentido, a principal vantagem dos sistemas públicos de largo alcance reside na sua maior capacidade de escala. Por exemplo, o valor de uma vacina para uma pessoa adquiri-la de forma individual é muito superior ao custo unitário para o SUS produzir ou importar dezenas de milhões de doses da mesma vacina.
Entretanto, este imenso potencial de eficiência do SUS precisa de muitas variáveis para se concretizar na prática. Em outras palavras, sua grande responsabilidade requer alta capacidade de gestão e de tomada de decisão pelo Poder Público. Nesta dimensão, a experiência brasileira é marcada por inúmeros casos de sucesso e fracasso. Alguns dos casos de sucesso mais notórios são: o Programa de Saúde da Família, os programas de transplantes de órgãos, o programa de vacinação, a política de controle de HIV/Aids, a política de controle ao tabagismo, entre outros. Tanto estes casos de sucesso como os de fracasso costumam vir em decorrência de decisões corretas ou equivocadas do Legislativo, do Executivo e do Judiciário.
Além disso, uma temática que temos fracassado sistematicamente no Brasil é o de concessão de patentes de medicamentos. Estudo conduzido pelo Grupo de Economia da Inovação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e noticiado pelo Repórter Brasil, na última semana, chama atenção para uma sucessão de equívocos que podem levar a gastos adicionais de mais de 3,8 bilhões de reais nos próximos 10 anos apenas para a aquisição pelo SUS de 9 diferentes medicamentos, que terão suas patentes estendidas para muito além do prazo estabelecido internacionalmente. É, pois, um caso extremamente emblemático do tamanho do prejuízo das falhas do Estado, frente à atuação contundente da indústria farmacêutica.
Embora os regulamentos internacionais estabeleçam o prazo de 20 anos de validade das patentes, a Lei Brasileira de Propriedade Industrial (Lei 9.279 de 1996) institui que, após análise definitiva pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), o prazo de vigência da patente não será inferior a 10 anos (parágrafo único do art. 40). Na prática, quando o INPI tarda na apreciação dos pedidos as patentes são estendidas para além dos 20 anos. Nas últimas décadas, cerca de 92% das patentes farmacêuticas foram beneficiadas com essa extensão de validade. Este mecanismo da lei foi uma grande vitória do lobby das indústrias farmacêuticas junto ao Congresso Nacional quando de sua aprovação. É notório que este setor é um dos que tem mais organização e tem investido pesado em financiamento de campanhas eleitorais e outras vantagens para influenciar o sistema político, bem como tem montado atuantes braços jurídicos para a atuação judicial, seja para postergar a vigência de patentes, seja para conseguir decisões judiciais que obriguem o poder público a custear medicamentos e tratamentos de alto custo para as pessoas, destruindo toda a capacidade de planejamento, gestão e priorização das redes públicas de saúde.
Do lado do Executivo, processos mal regulamentados e a insuficiência de pessoal técnico no INPE têm levado ao acúmulo de processos e significativa demora na concessão das patentes. Foram encontrados casos de registros de mais de 30 pedidos de análise para o mesmo princípio ativo, o que coloca muitos pedidos na fila, já o baixo número de técnicos para analisá-los faz com que os pedidos se acumulem.
Somado a tudo isso, há mais de três anos a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.529, formulada pela Procuradoria Geral da República, que busca declarar a inconstitucionalidade do referido mecanismo de extensão da vigência das patentes (art. 40, parágrafo único, da Lei 9.279, de 14 de maio de 1996), encontra-se pendente de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal.
Há, pois, um maligno prejuízo do interesse público em decorrência da atuação potente dos agentes privados e da soma de fracassos dos agentes públicos. Adoecemos.
Palavras-chave: Movimento Voto Consciente; Poder Legislativo; Poder Executivo; Políticas Públicas; Saúde; investimento público; iniciativa privada; SUS; Poder público; INPE.
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