Bruno Silva
Na próxima segunda-feira (04 de dezembro) está previsto o início das discussões no plenário da ALESP (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) acerca da privatização da SABESP (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo). Ou como o próprio governo escreveu no projeto de lei ordinária que encaminhou ao Legislativo paulista, o PL 1.501/2023, a “desestatização” da empresa. As disputas políticas acerca do tema já começam pela terminologia utilizada no debate público: enquanto governistas falam em desestatização com o intuito de sinalizar publicamente que é preciso retirar das mãos do Estado responsabilidades das quais entendem que ele é ineficaz, oposicionistas reforçam o termo privatização a fim de indicar que por desejo do grupo político que hoje governa o estado de São Paulo há a intenção de deixar nas mãos do mercado para exploração meramente econômica uma empresa que lida com um recurso incalculável à sobrevivência humana, a água.
Desde que foi encaminhado para a ALESP pelo governador Tarcísio em 18 de outubro o projeto tramita em regime de urgência. Já passou pela CCJR (Comissão de Constituição, Justiça e Redação); CI (Comissão de Infraestrutura) e CFOP (Comissão de Finanças, Orçamento e Planejamento) via congresso de comissões – sem debate adequado, diga-se de passagem – e com 173 emendas apresentadas pelos deputados estaduais. O presidente do Legislativo, André do Prado (PL), assim como Tarcísio, tem feito de tudo pela celeridade do processo na lógica do atropelo legislativo. O relator do PL é o experiente tucano Barros Munhoz (PSDB), o qual está em seu sétimo mandato na ALESP, possui forte ligação com o setor agro (base importante na eleição de Tarcísio no ano passado) e aparece, reiteradas vezes, ao lado do governador em publicações nas suas redes sociais sinalizando que os interesses do governo foram preservados no relatório final. Por sinal, relatório este aprovado no último dia 22 de novembro por esmagadora maioria: 27 votos favoráveis e apenas 8 contrários vindos da oposição. Foram apreciados também três relatórios alternativos apresentados um pela bancada do PT, um pelo parlamentar Caio França (PSB) e outro por Luiz Fernando (PT), todos questionando os interesses na aceleração da tramitação do PL e pontuando que a água e o saneamento são direitos fundamentais da população, os quais devem se distanciar do interesse meramente econômico. Tais relatórios foram todos rejeitados.
Dentre as centenas de emendas parlamentares ao projeto, o aliado de primeira ordem de Tarcísio, Barros Munhoz, incorporou somente 26 delas ao texto. Mas o rolo compressor governista na ALESP tem rendido judicialização do processo. André do Prado (PL) havia convocado audiência pública para debater o projeto junto à sociedade logo para o dia 06 de novembro pouco tempo após tê-lo recepcionado na Mesa Diretora sendo que a oposição não tardou por acionar o MPSP (Ministério Público de São Paulo) acerca da falta de publicidade da proposta. A ação foi parar nas mãos do TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) que determinou respeito legal à ampla publicização, colocando primeiro freio à aceleração dos defensores do projeto. A audiência pública acabou sendo realizada em 16 de novembro contando com deputados das duas Frentes Parlamentares criadas no âmbito da discussão do PL, uma a favor reunindo governistas e, outra, contrária aglutinando a oposição. Estiveram presentes também no encontro a secretária Natália Resende da pasta estadual ligada ao Meio Ambiente representando os interesses do Executivo e José Faggian posicionando-se a favor do sindicato da categoria (Sintaema). A audiência de cerca de quatro horas foi marcada por tom plebiscitário e troca de acusações, dedos em riste de parlamentares, gritarias nas galerias do Plenário e dois discursos em choque: de um lado, deputados da base acusaram a oposição de olhar para o seu umbigo e defender supostos cabides de emprego na SABESP além de interesses sindicais e, por outro lado, oposicionistas apontaram para o possível encarecimento das tarifas pós-privatização, eventuais prejuízos na prestação do serviço para a população e o estado de São Paulo caminhar na contramão de vários lugares no mundo, os quais têm reestatizado empresas de saneamento.
Outros questionamentos judiciais também têm ocorrido ao longo do tumultuado processo. Há mandado de segurança apresentado à Justiça assinado por PT, PSOL e PCdoB alegando vício de inconstitucionalidade na tramitação do PL, o qual segundo os partidos deveria ter sido feito na forma de uma PEC (Projeto de Emenda à Constituição) a qual exige quórum de 3/5, equivalente a 57 votos para a sua aprovação e não via projeto de lei ordinária, o qual necessita de maioria simples para o seu prosseguimento. Ademais, parlamentares da oposição já haviam apresentado 0 o Projeto de Resolução 48/2023 em prol da realização de um plebiscito sobre o assunto, o qual ainda está nas mãos do relator há mais de um mês aguardando despacho, enquanto o PL já está pronto para discussão e votação.
Diante desse cenário de efervescência legislativa a pergunta mais importante a ser feita é sobre o porquê de tantos atropelos e tramitação acelerada do projeto às vésperas do recesso parlamentar. Quais os reais interesses em jogo? Para quê ampliar a participação privada numa companhia na qual metade já está nas mãos de acionistas e cujo lucro líquido no último ano foi de R$ 3,12 bilhões, resultado 35,4% superior ao aferido em 2021 e que atualmente leva água tratada a 98% dos domicílios e esgoto tratado a 83% dos 375 municípios sob sua responsabilidade? Certamente o argumento tão propalado dos defensores da privatização acerca da má eficiência do Estado no gerenciamento de empresas não faz o menor sentido nesse caso.
Na versão governamental o que justificaria a “desestatização” da SABESP é o cumprimento da universalização do saneamento, sob a promessa de antecipá-la de 2033 para 2029 a fim de se atingir o legislado a respeito da universalização do serviço no Novo Marco do Saneamento no Brasil: 90% da população abastecida com esgoto tratado e 99% com água tratada. Na argumentação dos oposicionistas contra a “privatização” o estado de São Paulo está caminhando no sentido contrário do verificado em diversos locais mundo a fora, no qual abundam casos de reestatização do serviço diante da piora em sua qualidade e tarifas abusivas à população.
No final das contas os interesses governistas e parlamentares parecem bem claros. Mas é inevitável não recordar da fala da ministra Zélia Cardoso de Mello ao argumentar sobre os motivos do sequestro da poupança dos brasileiros nos anos 1990: e os interesses do povo? “O povo é só um detalhe”.
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