Humberto Dantas
O nosso Senado Federal foi instituído em 25 de março de 1824 pela Constituição Imperial e atendia pelo nome de Senado do Império do Brasil, sendo designado no âmbito do poder político por cargo vitalício para brasileiros natos ou naturalizados acima dos 40 anos e rendimento anual mínimo de oitocentos mil réis. Uma referência à instituição no livro “1808”, de Laurentino Gomes, indica que mil réis equivaleriam aproximadamente a R$123,00. Um senador precisava comprovar uma renda igual ou superior a vultosos R$ 98.400,00 ou R$ 8.200 mensais. Considerando que Laurentino escreveu sua obra em 2007, se corrigirmos o valor pelo IPCA estamos falando em algo como R$ 19.000,00 por mês em fins de 2021.
Se por um lado o cargo deixou de ser vitalício e exigir renda para sua ocupação, o caráter exclusivista se mantém, em alguma medida, pela lógica etária. Para ser senador hoje é necessário ter 35 anos, a mesma idade exigida do presidente da República, portanto, superior a tudo o que existe em matéria eleitoral. Não é novidade que a despeito de uma campanha majoritária árdua, disputada em turno único, o padrão de competição política no Brasil atribui ao cargo de senador da República calmaria e estabilidade aos eleitos – que o diga a placidez do azul que decora parte de seus ambientes, simbolicamente utilizado para este fim, e algumas anedotas brasilienses que dão conta de dizer que aquela Casa é uma filial do paraíso. Mais que isso: o mandato de oito anos permite a disputa de outros cargos, em duas eleições municipais e uma federal/estadual, sem qualquer necessidade de renúncia ou prejuízo do status de eleito, além da projeção nacional diante de um posto fundamental para a manutenção da coalizão governativa federal e de atração de investimentos para os estados.
Assim como em outras democracias que adotam o sistema bicameral, em tese ser senador representa maturidade e expertise em termos de carreira política, o que requer a comprovação de efetiva liderança política. A eleição pelo método majoritário deu ao cargo a necessidade, em geral, de nomes tarimbados nas urnas. Dois senadores de peso recentemente foram os ex-governadores de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), e de São Paulo, José Serra (PSDB). Personagens de estirpe nacional como o ex-presidente José Sarney (MDB) é antológico, ou do ex-ministro e “dono do poder” por décadas na Bahia, Antônio Carlos Magalhães (PFL).
Mas, se de um lado, desde a redemocratização temos senadores que já foram governadores, com o advento da “renovação” política e da “antipolítica” nas eleições de 2018, das 54 cadeiras em disputa – 2/3 do total de 81 senadores –, 46 passaram a ser ocupadas por novos parlamentares, um índice de renovação de 87,03%. Mas que fique registrado: estamos a destacar algo histórico que em 2010 o Estadão publicava sob o título: “Senado é caminho de ex-governadores”, e lá estavam citados Sarney (senador do AP, mas ex-governador do Maranhão), Fernando Collor (AL), Itamar Franco (MG), João Capiberibe (AP), Cássio Cunha Lima (PB), Jader Barbalho (PA), Ivo Cassol (RO), Eduardo Braga (AM), Aécio (MG), Edison Lobão (MA), João Alberto (MA), Epitácio Cafeteira (MA), Wellington Dias (PI), Garibaldi Alves Filho (RN) e Cristovam Buarque (DF). De cabeça, facilmente, é possível encontrar casos em todos os estados desde 1986 até hoje.
Mas o que isso quer dizer? Que se existe tradição de um lado, por outro a renovação pode pavimentar o caminho inverso, ou seja, tem aumentado o perfil de carreira política de senadores eleitos que aspiram, sem nunca terem ocupado tal espaço, o cargo de governador. A lógica vai se tornando diferente, embora os senadores eleitos possuam um perfil alinhado ao governismo, isto é, são eleitos em sua maioria compondo a chapa do governador escolhido, tornando-se uma opção no âmbito das estratégias dos grupos políticos estaduais. Nas eleições de 2018, entre os 54 senadores eleitos, 29 venceram o pleito com o apoio dos governadores consagrados nas urnas, ou seja, 54%. O que farão agora ou daqui quatro anos? Pensarão nos governos estaduais?
A chegada de um candidato antissistema como Jair Bolsonaro propiciou a ascensão de nomes “outsider” nas arenas federativas, o que deve ser testado nas próximas eleições: das 27 cadeiras em disputa em 2022 quantos senadores eleitos serão líderes experientes nas urnas com carreira nos governos estaduais? Quantos serão novidades? A se mirar na adesão de Bolsonaro ao centrão já temos um indicativo de rendição do ex-capitão à “velha política”.
Dos governadores atuais que não podem mais ser reeleitos e que são cotados como candidatos ao Senado, temos: Camilo Santana (PT-Ceará), Flávio Dino (PSB-Maranhão), Paulo Câmara (PSB-Pernambuco), Renan Filho (MDB- Alagoas), Rui Costa (PT-Bahia) e Wellington Dias (PT-Piauí que já foi senador). De fato, o Senado tem sido o legislativo dos governadores e isso ficará mais claro com a desincompatibilização do final de março (começo de abril) desses governadores de seus cargos atuais para possível disputa do Senado. Mas “novidades” sempre aparecem, que o digam Datena em São Paulo, uma série longa de ministros neófitos nas urnas que podem buscar uma dessas vagas e alguns negacionistas federais elevados ao status de influencers que prometem chacoalhar as urnas. A conferir.
Créditos da imagem: Poder 360
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