Araré Carvalho
“Protesto é uma coisa, ato terrorista é outra. Você pode protestar à vontade. Está no artigo 5º da Constituição. Protesto é uma coisa, vandalismo e terrorismo são outras completamente diferentes”; essa foi a fala do Presidente da República no momento em que “jogou” para o Congresso a responsabilidade pela aprovação do PL 6125/2019, que garante o excludente de ilicitude quando agentes de segurança pública estiverem agindo sobre efeitos da GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Além desse projeto de lei, o presidente afirmou que enviará outro PL para autorizar o uso da GLO em casos de reintegração de posse de imóveis rurais. Muito possivelmente a Câmara dos Deputados rejeitará as propostas, prática que tem sido rotineira na relação entre o Executivo e o Legislativo. O Congresso vem derrubando medidas provisórias e vetos do Executivo; só nesta quarta-feira, 27/11, por exemplo, foram 07 vetos derrubados da lei sobre partidos e eleições, além de declinarem o veto integral do PLC 60/2007, que versa sobre a presença de assistentes sociais e psicólogas nas escolas públicas.
A despeito do absurdo da proposta de excludente de ilicitude, que permite que as forças do Estado façam uso arbitrário e abusivo da força, ficando muito próximo de desaguar num regime de exceção, cabe refletir a intenção do Executivo quando lança essas propostas evidentemente inconstitucionais, como alertou o MPF em nota técnica enviada à Câmara dos Deputados. O governo parece jogar para a parte mais radical do bolsonarismo, reforçando o discurso de que o Congresso ou ora o STF barram as ações mais efetivas propostas pelo presidente e seu governo, atravancando o despertar da nova política e do novo Brasil. O desgaste das instituições democráticas parece ser uma aposta do atual ocupante do Executivo. O constante flerte com um passado repugnante e nojoso transparece parte de um fetiche que habita o inconsciente do bolsonarismo (vide Eduardo Bolsonaro e Guedes e suas referências ao AI-5).
Falar sobre incêndio a metrôs e a ônibus em um momento em que nem se quer se aventa manifestações, simboliza um desejo do governo por desculpas para colocar em prática seu viés mais autoritário. Como o discurso anticomunismo perdeu força após a aproximação com a China, desponta-se a necessidade de criar novos moinhos de ventos e transmutá-los em ameaças iminentes. O governo vai mal e precisa de novos inimigos. Repete-se a velha história: em defesa da democracia, subtrai-se a democracia.
“Mas o presidente deixou bem claro que GLO e o excludente de ilicitude só seria lançado mão em situações de ações ‘terroristas’”. Aqui, entra outro problema: quem decide o que é terrorismo? Bolsonaro? Sérgio Moro? Guedes?! Tivemos manifestações mais exacerbadas nas “jornadas de julho” de 2013, como quebra de agências bancárias: teriam sido ações terroristas? As dancinhas pró-impeachment de 2015: seria um terrorismo estético? E as manifestações pró-Bolsonaro que ocorreram esse ano e que pediram o fechamento do STF: seria a destituição do STF um ato terrorista?
Bolsonaro, então deputado federal, usou e abusou da greve dos caminhoneiros, colocando-se ao lado deles, e capitalizando politicamente. O fechamento de estradas, a proibição à força de circulação de caminhões e o desabastecimento do país poderiam ser enquadrados como ações terroristas? Parece-me que os “atos terroristas” só assumem essa pecha quando é conveniente. O termo “terrorismo” é extremamente vago e serve, neste caso, somente para fins retóricos.
A lei nº 13.260, de 16 de março de 2016, diz no seu artigo n° 2: “O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”.
Como podemos ver, as manifestações que foram produzidas até hoje no Brasil não se encaixam na definição de terrorismo. Imaginar um cenário de convulsão social, mediante os exemplos de outros países da América Latina, parece ser um exercício de previsão de quem acredita que o seu governo, suas medidas e resultados, poderão, a médio prazo causar protestos da magnitude que temos visto nos nossos vizinhos.
O ressurgimento do parlamentarismo branco, na atual conjuntura, nem parece uma coisa tão ruim. As constantes derrubadas de MPs, ainda que cause uma insegurança jurídica, visto que podem perdurar somente 120 dias, e as derrubadas de vetos dos presidenciais, tem mostrado, que a despeito dos problemas dos nossos congressistas, os contrapesos políticos e jurídicos nunca se fizeram tão eficientes e necessários.
Palavras-chave: Movimento Voto Consciente; Poder Executivo; Poder Legislativo; Jair Bolsonaro; manifestações; terrorismo; Constituição; AI-5; Paulo Guedes; Eduardo Bolsonaro.
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